4 de outubro de 2009

Respirar- ar

É incrível a solidão
Ao mesmo tempo que nos afoga, alivia-nos
Nos faz coisas remotas... tão perto
Morta como um suave perfume de vida
Baila, baila meu ar pelo mundo
Prata no céu leve a brincar de nuvens

Marlene

Debaixo D Água
Arnaldo Antunes
Debaixo d'água tudo era mais bonitoMais azul, mais coloridoSó faltava respirarMas tinha que respirar
Debaixo d'água se formando como um fetoSereno, confortável, amado, completoSem chão, sem teto, sem contato com o arMas tinha que respirarTodo diaTodo dia, todo diaTodo diaTodo dia, todo dia
Debaixo d'água por encanto sem sorriso e sem prantoSem lamento e sem saber o quantoEsse momento poderia durarMas tinha que respirar
Debaixo d'água ficaria para sempre, ficaria contenteLonge de toda gente, para sempre no fundo do marMas tinha que respirarTodo diaTodo dia, todo diatodo diaTodo dia, todo dia
Debaixo d'água, protegido, salvo, fora de perigoAliviado, sem perdão e sem pecadoSem fome, sem frio, sem medo, sem vontade de voltarMas tinha que respirar
Debaixo d'água tudo era mais bonitoMais azul, mais coloridoSó faltava respirarMas tinha que respirarTodo dia
Agora que agora é nuncaAgora posso recuarAgora sinto minha tumbaAgora o peito a retumbarAgora a última respostaAgora quartos de hospitaisAgora abrem uma portaAgora não se chora maisAgora a chuva evaporaAgora ainda não choveuAgora tenho mais memóriaAgora tenho o que foi meuAgora passa a paisagemAgora não me despediAgora compro uma passagemAgora ainda estou aquiAgora sinto muita sedeAgora já é madrugadaAgora diante da paredeAgora falta uma palavraAgora o vento no cabeloAgora toda minha roupaAgora volta pro noveloAgora a língua em minha bocaAgora meu avô já viveAgora meu filho nasceuAgora o filho que não tiveAgora a criança sou euAgora sinto um gosto doceAgora vejo a cor azulAgora a mão de quem me trouxeAgora é só meu corpo nuAgora eu nasco lá de foraAgora minha mãe é o arAgora eu vivo na barrigaAgora eu brigo pra voltarAgoraAgoraAgora

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